Dessa vez vai ser diferente...
- Érica Nunes
- May 24, 2015
- 5 min read
Dentro da clínica psicológica, quando o tema é amor, facilmente encontramos pessoas sofrendo de insegurança afetiva nos relacionamentos amorosos. Por observação empírica na clínica, defino a insegurança afetiva nas relações amorosas como um sentimento angustiante de que não se é suficientemente bom para estar com o outro, que a qualquer momento pode-se perder o alguém que foi conquistado, um sentimento de impotência e fraqueza diante das demandas externas, geralmente coexistindo com uma uma imagem distorcida de si mesmo, ou seja em palavras leigas, a pessoa tem a tendência de focar no que há de negativo em si.
A pessoa que está insegura nem sempre sabe exatamente o que está sentindo mas alguns sinais vem mostrando que tem algo errado, como por exemplo, uma forte ansiedade, ciúmes irracional ou excessivo, desvalorização de si frente ao outro e dificuldade de dizer não.

As causas da insegurança afetiva são múltiplas, podem estar associadas a fatores sociais - como construção da identidade de gênero e a padrões de beleza por exemplo, e também com a história de vida dessa pessoa, relacionamentos anteriores que foram abusivos e a dinâmica familiar podem influenciar bastante.
É muito fácil com o que foi colocado acima lembrar-se daquele amigo ou amiga que só se envolve com pessoas que o desvalorizam, quando arranja um namorado(a) novo todo mundo fica até com medo, se envolve fundo na relação e depois para sair é aquela dificuldade imensa. Os conselhos dos que estão em volta - você deveria se valorizar mais, ele(a) não te merece, por que você só gosta desse tipo de gente? - quase sempre são inúteis nesse caso. A grande questão com a autoestima, em poucas palavras, é que o mais provável é que essa pessoa não se sinta merecedora de um relacionamento melhor.
O momento histórico atual é definido por Bauman (sociólogo polonês) como modernidade líquida, onde os valores e especialmente o amor também são líquidos. O conceito de liquidez nas relações é usado para falar sobre como elas nos escorrem pelas mãos, hoje nada mais é feito para durar, tudo é transitório e o mais novo é o melhor.
A "vida líquida" e a "modernidade líquida" estão intimamente ligadas. A "vida líquida" é uma forma de vida que tende a ser levada à frente numa sociedade líquido-moderna. "Líquido-moderna" é a sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que o necessário para a consolidação, em hábito rotinas e formas de agir. Bauman, 2005, p. 7.
No contexto dos relacionamentos amorosos, que estão cada vez mais curtos e instáveis, isso traz uma exacerbação do sentimento de insegurança afetiva, sob a ameaça de que qualquer momento pode-se ser trocado pelo modelo mais novo, pela pessoa que tem mais a oferecer, que é mais bonita ou mais ousada que você.
Essa insegurança afetiva é sentida por mulheres e homens, só que cada qual com sua peculiaridade. As mulheres no nosso contexto latino-americano ainda sofrem muita pressão social para estar comprometidas, isso é construído socialmente desde a infância, em que se coloca as meninas nas brincadeiras que envolvem o cuidado com a casa e com os filhos, se embelezar para o outro e várias formas de brincar que a colocam neste lugar de esposa, mãe e cuidadora. Onde não há lugar ou incentivo à vivência da solidão, necessária e importante parte da subjetivação e autoconhecimento e que vão fazer com que a mulher aprenda a se cuidar e se enxergar desvinculada da imagem masculina ou de cuidadora.
No seu artigo O Amor (e a Mulher), Valeska Zanello problematiza a questão de que a mulher tem sido historicamente colocada no lugar de ser validada e avaliada pelo olhar do outro (homem). Onde o valor da mulher está intrinsecamente ligado ao seu relacionamento com o sexo oposto, estar ou não comprometida, ser ou não casada. O lugar social mais emblemático desta questão é "solteirona", aquela que não foi "escolhida" por ninguém e que mesmo que não tenha se casado ou tido filhos por escolha própria é retratada como a mulher triste e sozinha.
Esta construção do lugar social das mulheres (em particular a heterossexual) é um fardo pesado para muitas e fator de risco de saúde mental, o não se encaixar na norma por falta de vontade ou de oportunidade pode causar um forte sentimento de inadequação ou de baixa autoestima, já que o amor ganhou um lugar exacerbado na subjetivação feminina. E quando a mulher está num relacionamento é socialmente incentivado que ela se esforce para o sucesso relacionamento, que cale-se diante de situações para mantê-lo, por que afinal "você teve a sorte de ser escolhida por alguém". O que nos vulnerabiliza e desempodera e faz com que muitas mulheres aceitem situações em seus relacionamentos que geram sofrimento psíquico.
Em ambos os gêneros essa insegurança afetiva sentida se mostra nos atendimentos clínicos em r relações doentias, ciúmes excessivos, sensação constante de que se vai perder o outro(a) que impedem a pessoa de ter paz, desconfiança constante das intenções e sentimentos do parceiro(a). Essa situação pode causar um enorme sofrimento psíquico e em alguns casos até depressão.
Um dos caminhos de saída para esse estado passa pelo autoconhecimento, o investimento afetivo no próprio aperfeiçoamento e transformação da autoimagem, sem contar também com a conscientização e a instrumentalização para subversão dos papéis de gênero. O investimento afetivo e de tempo no autocuidado é imensamente terapêutico nestes casos, o que inclui: cuidar da própria vida e saúde, ter metas individuais, buscar o próprio lazer e colocar as suas necessidades em pé de igualdade com as do parceiro(a), por exemplo.
É interessante buscar atividades que te dêem prazer e diminuam a ansiedade como atividades físicas ou artísticas de sua preferência que aumentem e mantenham os níveis de endorfina no corpo. A busca de introspecção também é muito importante para quem tem dificuldades de ficar sozinho ela pode acontecer por meio da meditação e yoga por exemplo.
Neste momentos da vida é interessante também evitar a influência de pessoas negativas ou que te coloquem para baixo, procurar se aproximar de quem está te apoiando. É interessante que a pessoa se engaje em práticas que melhorem a sua qualidade de vida e diminuam a sua ansiedade para que ela possa ver as coisas em perspectiva, pois quando se está ansioso(a) as situações parecem muito maiores do que elas são realmente.
Em alguns casos, essas mudanças de atitude podem ser suficientes, porém quando a pessoa tem uma autoestima muito comprometida é interessante que haja a ajuda de um psicoterapeuta no enfrentamento dessa situação que muitas vezes pode ser exacerbada pelo silêncio e o isolamento.
Érica Nunes
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