Astrologia por analogia
- Bruno dos Santos Costa
- Aug 7, 2017
- 5 min read
Devido à difusão da ideologia iluminista/positivista em nossa sociedade ocidental contemporânea, é natural que os fenômenos tendam a ser analisados sob uma ótica científica. No entanto, há um desequilíbrio, no sentido que a atenção redobrada dada ao aspecto científico vem às custas de uma atenção a outros aspectos, sobretudo a analogia e a metáfora.
Um exemplo desse viés pode ser visto através da cultura popular dos seres extraterrestres. Tais encontros que não se encaixam na narrativa da realidade consensual têm ocorrido com seres humanos desde os primórdios. Quando isso ocorre, tendemos a nos agarrar a conceitos do inconsciente coletivo local, e atribuímos esses eventos anormais à atuação de um devido ser que se encaixa na mitologia. Antigamente, então, se falava de fadas, elfos, gnomos, demônios, etc, ao passo que hoje em dia se fala de aliens e ETs.

A grande diferença é que outrora já havia uma certa expectativa que elfos e gnomos operassem fora da realidade espaço-temporal, ou seja, que eram seres ‘mágicos’. No ideário moderno, no entanto, há uma necessidade de se explicar até os fenômenos ‘irreais’ através de mecanismos ‘reais’. Os extraterrestres, então, não chegaram aqui num passe de mágica, e sim vieram em uma nave que tem algum tipo de combustível que gera energia e que opera de acordo com princípios científicos – por mais que seja hipotética, é uma explicação mecanística.
O que se perde aí é a oportunidade de compararmos relatos contemporâneos com relatos antigos. Se colocamos lado a lado os demônios invocados por magos medievais e os reptilianos da cultura ufológica, podemos perceber que são essencialmente as mesmas figuras. A única diferença entre os dois é o ‘filtro’ mitológico através do qual são vistos.
Da mesma forma, a astrologia na modernidade tende a ser interpretada com um viés científico-mecanicista. O curioso é que esse princípio se aplica tanto aos que “acreditam” na astrologia quanto aos céticos: ambos tendem a operar com a presunção de há um mecanismo de causa e efeito que explica os fenômenos astrológicos. Mesmo astrólogos que rejeitam conscientemente qualquer tipo de efeito mecânico (ou até quântico) acabam usando falas como “o efeito de Saturno…”

No entanto, já fazem centenas de anos que ‘astrologia’ e ‘astronomia’ deixaram de ser a mesma coisa. A astronomia lida com o ‘nomos’, ou seja, com o concreto, com aquilo que é mensurável. A astrologia, por outro lado, lida com o ‘logos’, então opera com a comparação entre ideias e conceitos. Na astronomia, estuda-se os fatos e formula-se teorias em seguinte, ao passo que na astrologia, a teoria precedeu a experimentação*.
(*Quando se fala dos primórdios da astrologia, costumamos imaginar que os seres humanos de antigamente observaram os fenômenos cíclicos da natureza e partir daí elaboraram as teorias astrológicas, mas essa imagem nos parece um tanto ingênua: a astrologia é demasiadamente complexa e extensa para que suas bases teóricas tenham surgido da mera observação.)
Isso não significa que não devemos aplicar a metodologia científica à astrologia, muito pelo contrário. É a ciência que dará à astrologia o respaldo necessário para que se torne parte do senso comum, para que saia das margens do pensamento moderno. O que queremos enfatizar aqui é a que a astrologia é mais do que apenas ciência. É por isso que, em nossas análises dos signos, buscamos enxergar a astrologia sob a ótica dos quatro elementos.
Talvez seja esse um dos grandes erros da cultura ocidental moderna: o de achar que a ciência (ou a filosofia em alguns casos) é a única forma de se atingir o conhecimento. É claro que essa metodologia tem muito a nos oferecer. No entanto, ela já é senso comum, já é algo que estamos acostumados a fazer. O que queremos encorajar aqui é que se desenvolva a astrologia por analogia, que, por não ser passível de experimentação ou de explicação em termos mecanicistas, tende a ser ignorada como fonte de conhecimento.
Ora, não há como negar a analogia, e é inclusive algo que fazemos o tempo todo. Quando dizem a uma pessoa que “seus olhos são azuis como o céu”, estão fazendo uma analogia, e isso só possível porque os olhos da pessoa e o céu compartilham de alguma essência, no caso a cor azul. É o que ocorre com o sincretismo religioso: o fato de duas religiões poderem existir ‘ao mesmo tempo e no mesmo lugar’ significa que há alguma essência em comum a elas.
É justamente isso que acreditamos ser um componente essencial mas negligenciado da astrologia. Quando dizemos que “Marte é o planeta da guerra”, não queremos dizer que o corpo físico planetário ‘Marte’ causa a ‘guerra’, mas sim que os conceitos de ‘Marte’ e de ‘guerra’ compartilham de alguma essência comum, ou seja, ambos são apenas desdobramentos do mesmo princípio primordial que antecede a própria formação do Sistema Solar.
Ao fazermos essas analogias, temos a oportunidade de entender a astrologia de uma forma muito mais completa. Nossa própria linguagem funciona dessa forma comparativa: quando dizemos que um objeto é ‘retilíneo’, não queremos dizer que o conceito abstrato de ‘reta’ de alguma forma causou ou foi causado pelo objeto, apenas que o objeto e o conceito têm algo em comum. Da mesma forma, quando ligamos o signo de Cãncer, por exemplo, ao estômago, não fica implícito que o signo de alguma forma ‘criou’ diretamente o estômago, mas que o coração é formado no corpo humano pelos mesmos princípios que geraram o signo no zodíaco.

Acima temos um exemplo bastante simples de como funciona esse raciocínio. Se a Terra é o elemento central de um mapa astral, a referência a partir da qual as posições são estudadas, e se nós somos o centro de nossa própria existência, então cabe fazer uma analogia entre o planeta Terra e nosso corpo físico. Podemos ver aí que, da mesma forma que o Sol, Mercúrio e Vênus são ‘internos’ em relação à Terra, também os conceitos ligados a eles são ‘internos’ em relação a nosso corpo, ou seja, não são imediatamente visíveis da forma que Marte é.
Não é à toa, então, que falamos de ‘mapa’ astral. Um mapa funciona por analogia: ao compararmos o desenho do mapa com a vida real, temos um referencial que nos permite ‘enxergar’ além de nosso campo de visão. Por exemplo, se estou em uma rua, não posso saber o que há à esquerda na esquina, mas ao observar um mapa posso descobrir, mesmo sem ter a experiência sensorial daquilo. O mapa funciona então, por analogia, por fazer uma comparação entre o plano físico e o plano mental.

Aqui vemos mais um exemplo da astrologia por analogia. Não queremos dizer aqui que esse esquema acima é uma representação fidedigna da forma em que o ser humano opera, mas acreditamos ser uma boa aproximação. A partir daqui, podemos entender por que nossa ‘voz’ está ligada mais a Marte do que a Mercúrio: apesar de Mercúrio estar, no senso comum, ligado à comunicação, a ‘voz’ per se é uma externalização física de processos internos. Ou seja, o conteúdo de nossa fala é determinado por Mercúrio, mas sua forma física, no caso o tom de voz, volume, etc, é determinado por Marte.
As diversas imagens que usamos neste artigo exemplificam bem o que queremos dizer aqui. Tudo em nosso universo compartilha de uma essência em comum, ou seja, tudo que vemos manifesto no mundo, por mais dísparo e diferente que possa ser, advém do mesmos princípios. As únicas diferenças são de ordem de grandeza. Na numerologia, 5 e 500.000.000 são o mesmo número, assim como o cérebro e o universo são formados pelos mesmos princípios em escalas diferentes. Na astrologia, o mapa astral não ‘causa’ nossa personalidade ou nosso corpo físico mais do que um mapa geográfico ‘causa’ a topografia.
Bruno dos Santos Costa, astrólogo
Fonte: https://erisastrologia.wordpress.com/2017/03/30/astrologia-por-analogia/
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