Vidas "alternativas": como as questões de tema mundial têm gerado novas formas de viver no
- Bruna Souza
- Jul 6, 2015
- 6 min read

As pessoas tem participado muito das discussões que circulam nas redes sociais nos últimos tempos. A conexão virtual contribuiu muito para difusão de noticias do mundo e isso parece ter incluído nas pessoas a noção de que elas participam mais da formação de opinião pública do planeta. O interessante é que dentro desses diálogos surgem muitas idéias diferentes daquilo que se via ha 20 ou 30 anos atrás. Parte disto parece relacionado ao fato de que vivemos em uma cultura cada vez mais global, e de fato diferenciada da cultura "daqueles tempos", e parte a uma nova consciência que entende a conectividade das coisas, de que somos todos influenciados uns pelos outros, tanto direta como indiretamente. Junto deste movimento global, podemos ver acontecer formas diferentes de viver a vida do qual nunca vimos anteriormente. Pessoas com ações e pensamentos que se diferenciam de tudo o que havia sido conhecido até então.
A globalização, o diálogo entre as pessoas de todo o mundo, permitiu a gente entender que muitas coisas que há tempos atrás não pensávamos ter correspondência agora se apresentam relacionadas entre si. Como por exemplo a mudança climática que nos fez atentar para o fato de que o derretimento das calotas polares é também um problema da gente, mesmo aqui no Brasil ou ali na Africa do Sul. Outros temas também mundiais, como os movimentos de LGBT, e dentro dele o julgamento da justiça sobre o casamento gay, também parece ser um problemas de todos. Afinal, é um tema que toca diretamente na questão dos direitos humanos, e também naquilo que a gente entende por família.
O interessante que vejo, como psicóloga e participante deste motim, é que dentro de todas essas discussões existem idéias que se destacam. São aquelas idéias inusitadas, algo que ninguém havia mencionado ali naquele post antes. Dentre as várias posturas extremas, de bom e ruim, hà grupos de pessoas que não escolhem nem A nem B. Quando vejo essas posturas é como se algo me disesse ao pé do ouvido "Ei, isso é uma nova forma de viver". E por ser nova não se encaixa em algo antigo. Podemos ver que hà escolhas diferenciadas daquilo tido como padrão – o velho roteiro trabalho, casamento e aposentadoria- e que não necessariamente se enquadram no esquema de modelo hippie tal qual se configurou o movimento do Flower Power na década de 60. É através das nossas telas brilhosas e coloridas que vemos esses novos estilos de vida se configurarem. Vemos amigos antigos a saírem pelo mundo em viagem, a viver de coisas que nunca pensávamos que poderia gerar renda. Gente como a gente a ter uma profissão que há uma década atrás nem existia. É como se uma onda, ainda tímida, começasse a se mostrar dentro do nosso sistema em formato de caixinha, e tantas outras caixas começassem a serem abertas.
Assim, não basta mais dizer que se faz parte de grupo X ou Y para ser entendido. Não somos mais uma geração de "esquerda ou direita". Mas de muitos ângulos e de variados pontos de vista.
Tudo bem que tenhamos nossos grupos específicos e preferências pessoais. Que na hora da votação eleitoral ainda precisemos optar por um lado específico (senão no voto em branco ou ausente). Penso que os nossos gostos particulares, nossas crenças e formas como gostamos de viver são partes de todos os sistemas da natureza. Não fosse assim os passarinhos não comeriam frutos enquanto os lobos caçam suas presas. Mas parece haver um movimento planetário, que alguns chamam de uma "nova Era", onde nota-se mais que é preciso criar diálogo independente do partido político ou crença religiosa que as pessoas tem. Alguns chamam também esse processo de globalização.
Assim, apesar de nossas particularidades específicas, somos muito mais do que as nossas próprias crenças. Sabemos que diante temas mundiais, como as mudanças climáticas, precisamos nos unir e conversar para podermos permanecer neste planeta. É isso o que fazem os animais em meio a um furacão: se unem para sobreviver.
Então, se entendemos que precisamos nos unir e que pelo diálogo podemos criar novas formas de resolver conflitos, por que ainda existe tanta resistência, preconceitos e limitações de visões nestes diálogos ou discussões em rede?
A psicologia tem uma linha de entendimento que explica que evitamos algumas crenças e posturas de outros por que identificamos aquilo como perigoso a nossa própria sobrevivência. É como se não reconhecemos aquilo como familiar para a gente.. Ou por algum motivo essa forma de ver a realidade nos causasse um temor ao ponto de ser evitado a qualquer preço. É enfim uma forma de nos protegermos. Mas, por outro lado, se não ousarmos ir além daquilo que a gente tem como certo e como conhecido, “correremos o risco de ficar a margem de nós mesmos", como dizia o belíssimo Fernando Pessoa. Em termos psíquicos, criar diálogo com o que desconhecemos ou com aquilo que nos incomoda significa então enfrentar os próprios medos, ir além dos próprios limites, desbravar novas fronteiras.
O lado positivo da ascensão dos movimentos de minoria e o aumento de pessoas com mais “vidas diferentes”, é que eles ajudaram a tornar estes universos “desconhecidos” em algo mais familiar. Começamos a entender que aquele primo não é “afeminado” por que faltou-lhe um pai para colocar-lhe limites, mas por que ele é uma pessoa com suas particularidades específicas. Começamos a entender que as pessoas tem gostos diferentes, e que o ser humano é de fato muito criativo. Isso permitiu que as pessoas "relaxassem mais" e pudessem aceitar melhor novas formas de vida (e a partir disto adotá-las ou inventar outras maneiras!). Quiçá, poderemos também ir mais além, e começar a celebrar o fato de sermos diferentes. Ver que hà na divergência, além de conflito e dificuldades, muita magia e graça. Afinal, ninguém agüentaria viver por muito tempo em um mundo onde só coubesse uma dúzia de crenças. Talvez se assumissemos que existe algo muito especial em ser diferente, poderiamos começar a viver em um coletivo muito mais harmonioso. As ofensas, os problemas de justiça, e as má condutas de entidades governamentais poderiam ser resolvidas com muito mais harmonia. As decisões políticas poderiam ser conduzidas com mais coerência.
No meu trabalho de educadora ambiental, sigo uma vertente da Permacultura, onde apresento dessas idéias para falar com as crianças e jovens sobre o meio ambiente. Digo lhes que a natureza é repleta de diversidade, e convive com isto harmoniosamente. Entretanto a nossa espécie humana, tão criativa e tão destrutiva ao mesmo tempo, parece termo-nos desviado muito no meio deste caminho para a tal evolução. Criamos sistemas que já não funcionam. Desde a estrutura política a construção civil. Agredimos a nós mesmos, poluímos nossos próprios rios. E por vezes chamamos isso de "progresso".
Talvez tenha sido o nosso medo das diferenças que nos fez construir sistemas problemáticos que atualmente apresentam sua decadência. Um grande exemplo disso é o sistema da monocultura. Ao tentar se plantar um só tipo de produto por uma área tão extensa, esquecemos do funcionamento global das coisas. A agricultura convencional trouxe-nos problemas dos quais tentamos redimir com o uso abusico de produtos químicos altamente carregados de toxidade. Cometemos uma ação precipitada duas vezes seguidas. Tivemos a chance de ver que havia ali uma disfuncionalidade e a partir disto criar outra nova maneira. Mas ao invés disto, foi escolhido tentar "salvar" este sistema e intoxicarmos a nós mesmos.
Por isto, penso que criar vidas alternativas seja não só uma questão que tem muito a nos favorecer, como também apresenta-se como medidas necessárias, coerentes com a nossa situação atual do planeta. Ao meu lado hà uma rede vasta de ambientalistas, educadores, psicólogos, enfim, uma rede ampla que se extende. E entende que cultivar uma visão alternativa é tomar outra rota, que por exemplo, visualizar que talvez a idéia humana deste tipo de plantio não seja mesmo mais funcional e coerente.
Tentar colocar as pessoas em enquadres e caixinhas é como implementar um sistema de cultivo como estes, cuja intenção pode ser genuina, de tentar acabar com todas as interpéries e problemas que podem surgir em uma plantação. Mas que os resultados não valem a pena. A diversidade, tanto de alimentos quanto de pessoas, (e idéias e pensamentos) é o que traz maior benefícios tanto em termos ambientais como nutricionais e psicológicos. Pode ser um modo aparentemente menos "fácil" de lidar, pois os conflitos surgem diante das diferenças e dos receios que temos a respeito deles. Mas os conflitos também fazem parte do desenvolvimento da natureza. E quem sabe se não poderíamos driblar melhor nossos conflitos se as diferenças fossem mais celebradas, e não reprimidas e acusadas de tantos nomes? Quem sabe se talvez não podemos ver, finalmente, nascer um mundo novo a partir de novas idéias e formas de ver as coisas? O Mundo é composto por tantas etnias, por tantos povos, culturas, tradições, espécies, e natureza. Cada qual exerce ali a sua função. Cada qual carrega a sua beleza. Se começassemos a abraçar mais essas diferenças, o que nos aconteceria? Penso que modos diferentes de viver a vida deveriam ser mais comuns daquilo que se imagina, pela inevitabilidade de nossas diferenças.
Bruna Regina Souza tem formação em psicologia e trabalha atualmente com educação para a sustentabilidade
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