top of page

Consideraçõs acerca do amor romântico e do outro

  • Maria Luísa Macedo
  • Jul 10, 2015
  • 4 min read


No século XII, houve um extraordinário renascimento da adoração à Grande Mãe oprimida pelas sociedades patriarcais. De acordo com Jennifer Baker Woolger e Roger J. Woolger, o fato decorre em parte da recuperação pelos celtas das grandes narrativas bárdicas de Artur, Guinevere, Lancelot e do Graal, e em parte do contato dos cruzados com o Oriente – onde florescia uma poesia cavalheiresca e mística de amor pelo feminino. Porém, não demorou em que através da Cruzada Albigense o cristianismo patriarcal suprimisse essa possibilidade de vivência de uma plena consciência venusiana.


Nesse contexto sócio-cultural nasceu o mito de Tristão e Isolda, o melhor expoente da idéia de amor romântico. A narrativa evoca a paixão avassaladora de uma dama nobre e um jovem e heróico cavaleiro que está inevitavelmente fadada à desgraça. Essa é a fonte da qual se originou toda a nossa literatura romântica, desde Romeu e Julieta até a bela Liebestod de Wagner. Estudiosos, críticos e moralistas têm discutido, sem resultado, se esse tipo de amor realmente pertence à sociedade ocidental. Para o casal Woolger, o amor romântico é reflexo da trágica alienação do arquétipo feminino de Afrodite no mundo patriarcal. Todavia, o mito de Tristão e Isolda, “sublime história de amor e de morte”, traz um panorama das enormes forças psicológicas que atuam por trás do amor romântico, idéia presente na ordem social vigente.


O amor romântico é um conjunto de crenças, atitudes e expectativas, freqüentemente contraditórias, que coexistem no inconsciente de cada um de nós, indivíduos imersos na cultura ocidental. Com a idéia de amor romântico não está presente apenas amar alguém, mas “estar apaixonado”. Isso evoca uma carga simbólica na qual o amante encontra no ser amado plenitude – no mundo ocidental, o parceiro representa o reflexo de nosso individualismo emocional para o mundo. Inconscientemente, há uma exigência de que esse parceiro, com o qual foi estabelecida uma relação de completa simbiose, alimente continuamente a sensação inicial de êxtase criada pela paixão. Não é de se espantar que essa fórmula de exigências e expectativas gere relacionamentos frustrados e nos quais, muitas vezes, não há possibilidade de uma relação de co-aprendizagem.


Robert A. Johnson afirma ser essa a “grande ferida na cultura ocidental”. Em seu livro We- A Chave da Psicologia do Amor Romântico, Johnson aponta que o amor romântico tem se manifestado em muitas culturas ao decorrer da história, “nós o encontramos na literatura da Grécia antiga, no Império Romano, na antiga Pérsia e no Japão feudal”. Entretanto, nunca, como destaca o autor, o amor romântico foi vivenciado como um fenômeno de massa como na sociedade ocidental moderna. Johnson afirma ainda que o amor romântico é o “maior sistema energético dentro da psique ocidental”.


Há duas maneiras de se desumanizar uma pessoa. Uma é depreciando-a, e a outra é idealizando-a. Em seu maravilhoso livro Comprometida – Uma História de Amor, Liz Green apresenta uma ótima definição para o conceito de paixão. Nas palavras da autora, “(...) Paixão não é a mesma coisa que amor; parece mais o suspeito primo em segundo grau do amor, que vive pedindo dinheiro emprestado e nunca para no emprego. Quando nos apaixonamos por alguém, na verdade não estamos olhando para aquela pessoa; só ficamos cativados pelo nosso próprio reflexo, inebriados por um sonho de completude que projetamos em alguém praticamente estranho.” A autora cunha o termo praticamente estranho partindo do pressuposto que é extremamente fácil se apaixonar pelos aspectos positivos e vibrantes da personalidade do outro, mas conhecer e aceitar os defeitos do parceiro é o desafio que possibilita o amor em um ambiente de respeito e carinho mútuo.


Na intimidade entre dois seres, há espaço para que seja experienciada a dádiva do perdão cotidiano, difícil e em longo prazo. Green cita Eleanor Roosevelt, que escreveu: “Todos os seres humanos têm defeitos. Todos os seres humanos têm necessidades, tensões e tentações. Os homens e mulheres que viveram juntos durante muitos anos passam a conhecer as falhas um do outro; mas também o que é digno de respeito e admiração em si e naqueles com quem convivem.”


Jung disse que ao descobrirmos a ferida psíquica de um indivíduo ou de um povo, descobrimos também o caminho para a conscientização - já que no processo de cura das nossas feridas psíquicas acabamos por conhecer a nós mesmos. Talvez o desafio que nos é imposto culturalmente seja criar, de forma consciente, um espaço grande o suficiente para aceitar as contradições do outro e ainda amá-lo. Ao sabermos determinar onde acaba o eu e começa o outro não temos a prepotência de esperar completar o ser amado e a ilusão ser completado por ele. Novamente, nas palavras de Liz Green, “(...) Falo em adaptar a vida da maneira mais generosa possível em torno de um ser humano basicamente decente que, às vezes, pode ser um pentelho insuportável.”


Talvez a transcendência além de ser encontrada na vida serviçal regida pelo desapego dos monges budistas, também possa ser encontrada na vivência cotidiana de partilhar sua realidade subjetiva com outrem. O presente mais generoso que se pode dar a uma pessoa que se ama é amá-la por inteiro ou, como escreveu Liz Green, “amá-la quase apesar dela.” Por fim, deixo as palavras de C. S. Lewis ao descrever seu relacionamento com sua esposa, “Ambos sabíamos: eu tinha os meus sofrimentos, não os dela; ela tinha os dela, não os meus.”




Maria Luísa Macedo

 
 
 

Comentarios


Siga o coletivo Inconsciente:
  • Facebook Social Icon
  • YouTube Social  Icon
  • Instagram Social Icon
 POSTS recentes: 

© 2016 por coletivo inconsciente.

bottom of page