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Um cotidiano qualquer

  • Stefano Nunes
  • Nov 26, 2015
  • 3 min read

Mais um dia acordando nessa merda, quinze anos que acordo com o mesmo despertador e nunca me acostumo, sempre acordo cansado. Acordar, fazer barba, botar esse terno, e a forca da gravata.


“Milena, cadê meu cigarro?”. Milena já foi bem mais bonita, deixou de se cuidar depois de ter os meninos, acho que nem olharia pra ela hoje em dia se ela não fosse minha mulher. Quase nem reconheço mais. Ainda bem que a gente transa depois do Pânico, senão não sei como faria. “Milena, meu cigarro porra.” Ah, tá aqui no meu bolso. E aí filho, como foi lá ontem, pegou todas, passou o rodo? “Ah pai, nem peguei ninguém não, mas dancei pra caramba, me diverti, foi irado.” Fica aí dançando, tem pai que é cego heim, vê se vira homem antes deu ter que te dar uns tabefes pra você aprender. Seu irmão que é o meu orgulho, quase nem consegui dormir ontem por causa dele, né não filho?


A namoradinha dele até que é bem gostosinha, mas acho que ele podia achar uma menos emburradinha. “Acordou do lado errado da cama, Sandrinha? Dá um sorrisinho, você fica mais bonita.”


Beijo Milena, te amo. Tchau filho, se cuida. Ricardo, Sandrinha, beijo.


Essa merda desse ônibus nunca chega na hora, e quando vem tá lotado. Governo de merda, vive roubando, vou me mudar pra Europa isso sim, lá até os políticos usam o ônibus, mas lá o ônibos não é essa palhaçada que é aqui. Milagre, consegui sentar. Olha só isso, que menininha gostosinha, Meu Deus. Uniforminho de escola e tudo, deve ter uns 17 aninhos, tá valendo. Que ninfetinha, esses peitinhos não devem tar nem formados ainda, só de pensar já fico com o pau duro, ainda bem que consegui sentar, senão aquela baranga já ia achar que eu estava assediando ela. Hoje em dia tudo é assédio, que merda. Será que dá pra eu bater uma punheta do lado dessa menina? Não. Melhor não. Se controla. Ufa. Nossa, eu deveria ganhar um prêmio agora, me reter foi um esforço sobre-humano. Essa novinha vai me dar até tesão de comer a Milena hoje, Deus abençoe você, ninfetinha. Já abençoou né, essas suas bochechas de neném, com bundinha parecendo um pesseguinho.

Quase esqueço de descer, sempre o mesmo caminho, mesma baldeação. Porra, nem vou conseguir sentar agora. Esse casal de macacos tá sentado aí, cheio da folga. Camisa regata, cara de malandro. Vou até me afastar. Nunca se sabe né. Esse banco já deve estar todo fedido de cecê, nem vou querer sentar depois, deve estar voltando da boca de fumo pra fazer bico de porteiro durante o dia. Será que estou sendo racista pensando isso assim? Ah, não é nem por ele ser preto, quer dizer, moreno, mas ele tem cara de pobre. O Brasil na verdade tem um problema de pobre, não de preto. Tem até cotas e o caralho, Ricardo teve que refazer cursinho por que ele não é nem preto, nem fez escola pública, nem deficiente. Foda, o cara sofre por ser normal, por ter grana, ditadura de esquerda fascista de merda. Essa mulher do preto é bem delícia na verdade, imagina comer uma pretinha assim...Tenho o maior fetiche por empregadinha. Gozar nesse cabelo meio escroto dela deve ser uma loucura. É, acho que não sou racista mesmo, do jeito que essa nêga mexeu comigo. Lembro até das mulatinhas que peguei na juventude. Nem eram tão bonitas, mas às vezes era preciso fazer uma caridade né, e afinal, o que contam são as conquistas, e elas devem ter ficado contentes, mulata e feia, a vida fica difícil. Devia ter ensinado isso pro João, talvez ele não tenha me saído tão viadinho,

estudando cinema, saindo pra “dançar”. Será que ele é? Ih caraho, e se ele for? Pelo menos tenho o Ricardo, ele sim é espada, puxou o paizão.


Cheguei. Mais um dia de trabalho. Mais um dia de merda. Bem vindo ao serviço público. Pelo menos não vou ser demitido tão cedo. Vou fazer de conta que trabalho, eles fazem de conta que me pagam.



Stefano Nunes

 
 
 

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