Cultura da maldade
- Maria Luísa Macedo
- Dec 3, 2015
- 3 min read
No dia primeiro de dezembro a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou proposta que concede status de manifestação cultural nacional aos rodeios e às vaquejadas. A matéria seguirá agora para análise do Senado. Ironicamente, ao mesmo tempo a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus- Tratos de Animais discute a proibição de tais práticas. O deputado Efraim Filho (DEM), relator da proposta, afirma que “(...) Diferentemente da farra do boi e da tourada, o rodeio e a vaquejada não têm como objetivo o sofrimento do animal”. Por outro lado, como bem aponta o deputado Ricardo Tripoli (PSDB), relator da CPI dos Maus- Tratos de Animais, “(...) Um animal não pula, não salta dois metros de altura, obviamente, se não for estimulado por meio de maus- tratos”.

Atualmente, estima-se que os rodeios atraem trinta milhões de pessoas e movimentam mais de seis bilhões de reais por ano no Brasil. Quando organizações ou indivíduos que defendem o abolicionismo animal ganham voz nas mídias, os organizadores de tais eventos negam maus tratos e afirmam que os animais são monitorados por veterinários antes e depois das “apresentações”. Todavia, basta analisarmos os instrumentos usados pelos vaqueiros para controlar, agitar e agredir os animais para não podermos negar que há a prática de tortura ali. São chibatas, esporas, bridões, bridas, peiteiras, rédeas... Uma variedade de instrumentos cujo único propósito é infligir dor.
De acordo com a Declaração sobre a Consciência Humana e Animal, publicada em julho de 2012 por um grupo de neurocientistas de Cambridge, todos os animais, seres humanos ou não, são sencientes, termo que define sua condição mental, afetiva, emocional e consciente. Nas palavras de Sônia T. Felipe, “(...) Todos os animais são iguais, por conta de sua senciência, condição que resulta da sensibilidade e racionalidade emocional em condição permanente com a consciência”. Portanto, os bovinos e equinos mantidos em cativeiro e torturados como forma de divertimento sádico tem tanta ciência do que está acontecendo com eles como eu ou você teríamos se o mesmo nos fosse imposto.

No livro Acertos Abolicionistas, Sônia T. Felipe aponta que conforme o médico britânico Dr. John Webster, que se dedica ao estudo da dor em animais não humanos, “(...)Quanto mais tempo uma dor é infligida a um animal, maior a sensibilidade a ela”. A filósofa abolicionista também cita os médicos veterinários D. M. Broom e A. F. Frazer. De acordo com o par, no livro Domestic Animal Behaviour and Welfare, há espécies que não expressam dor por acreditarem que, se o fizerem, serão alvo de predadores. Tais espécies englobam os equinos e bovinos. Quando um cavalo relincha de dor, ele sofre duplamente – sofre a dor física que lhe é infligida e sofre psiquicamente por pavor ao predador que acredita atrair. O mesmo vale para os touros torturados.
Ainda que rodeios e vaquejadas façam parte da cultura brasileira, sua prática serve a desejos sádicos – que não se justificam por serem expressos a nível coletivo. A cultura de violência alimentada pelos rodeios e vaquejadas não é diferente da prática da mutilação genital feminina na África. Por que seria? Em ambos os casos os direitos mais básicos atribuídos a um ser são ferozmente violados para servir a uma cultura opressora. Os rodeios e vaquejadas são uma chaga na cultura brasileira que revela nossa kakothymía, termo proposto por Sônia T. Felipe que pode ser entendido como “(...) deficiência moral que leva a ruindade”.

O deputado Efraim Filho, ao defender a prática, afirma que “(...) Proibir os rodeios e as vaquejadas é excessivamente radical, quando você vê muito mais violência em lutas de UFC, que são transmitidas pela TV”. Todavia, os lutadores de UFC, diferentemente dos equinos e bovinos, lutam por escolha própria, ao passo que aos outros a violência é gerada por terceiros. Os lutadores de UFC tampouco vivem em cárcere e são privados de seus entes queridos. Os animais aprisionados, ainda que recebam todos os meios para o bem estar físico, são impedidos de terem autonomia sobre suas vidas e de expressarem seu ser de maneira singular.
No final do filme Meninas Malvadas, Cady afirma "(...) Quando você é mordido por uma cobra, você precisa extrair o veneno. Isso era o que eu deveria fazer. Extrair todo o veneno da minha vida". Cabe a nós, portanto, expelirmos o veneno de nossas vidas. Cabe a nós, individualmente, abolirmos o sofrimento de nossos pratos, de nossos guarda roupas, de nossos produtos de higiene e, acima de tudo, não tolerar prática de tortura de animais não humanos como fonte de entretenimento.
Aguardando a nave mãe me buscar.
Animastê,
Maria Luísa Macedo
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