Sexualização infantil
- Maria Luísa Macedo
- Dec 19, 2015
- 3 min read

Em mil novecentos e cinquenta e cinco, Vladimir Nabokov publicou a primeira edição de Lolita. O livro trata da obsessão de um homem comum e de meia-idade, Humbert Humbert, por Dolores, sua enteada de doze anos. Desde então, o imaginário masculino ganhou a maior representação do arquétipo da ninfeta – termo, inclusive, cunhado por Nabokov que designa meninas que despertam desejo sexual em homens, bem como são voltadas para o sexo. Quase dez anos depois da publicação de Lolita, Nabokov afirmou em entrevista a BBC que tanto Humbert quanto Dolores não foram inspirados em personagens reais. Contudo, o escritor declarou que “(...) Enquanto eu escrevia o livro, vários casos de homens mais velhos perseguindo jovens garotas começaram a ser publicados nos jornais, mas eu encarava isso apenas como uma interessante coincidência”. Todavia, não há coincidência no caso. A obra de Nabokov ilustra um fenômeno cultural presente em sociedades patriarcais por todo o mundo, a sexualização de crianças do sexo feminino.

O PornHub declarou em dois mil e quinze que novinha foi a palavra mais buscada no site por brasileiros. Ainda de acordo com o site, dentre os vinte países estudados, apenas cinco não continham o equivalente do termo como palavra mais pesquisada. O documentário Hot Girls Wanted, produzido pela incrível Rashida Jones, mostra o alarmante mundo da pornografia amadora nos Estados Unidos e como meninas que acabaram de completar dezoito anos são exploradas por ele. A indústria pornográfica também conta com o apoio da indústria da moda para normatizar a sexualização infantil. Por exemplo, uma menina que busque iniciar uma carreira como modelo aos dezenove anos será considerada muito velha pela indústria - segundo o documentário Are All Men Pedophiles, a média da idade das modelos da indústria da moda é dezesseis anos.

Consequentemente, o corpo infantil se torna o objeto desejado. Assim, nos deparamos com a adultalização de meninas e infantilização de mulheres – todas buscando se adequar ao padrão menina-moça. O homem que deseja a novinha, portanto, não é um pedófilo, já que perante seus olhos a menina não é uma criança, mas sim uma mulher. Tudo isso faz parte da cultura do estupro e está atrelado à ideia de que os homens não conseguem controlar seus instintos, de que existem meninas que provocam homens adultos, de que é feio para uma mulher aparentar a idade que tem...
Através da linguagem percebemos e expressamos nossa percepção do mundo. Pelas entrelinhas do discurso o não-aceito se torna aceito. A normatização da sexualização infantil dá-se via imagens consumidas, ações normatizantes e padrões de discurso presentes no nosso dia a dia. Por exemplo, é sabedoria popular que meninas amadurecem mais cedo do que meninos. Todavia, o fato dá-se porque meninas começam a se preocupar em se adequar às regras sociais e agregar responsabilidades em meio ao lar desde muito jovens, enquanto aos meninos é permitida uma existência livre. Também ao reproduzirmos termos como novinha, ninfeta, ou Lolita, inconscientemente damos nosso aval à prática da sexualização infantil.
É claro que é saudável para crianças e adolescentes explorarem sua sexualidade e terem liberdade para fantasiarem ser adulto. Contudo, isso deve ocorrer com companheiros da mesma faixa etária e, acima de tudo, no ritmo da criança em questão. Lembra quando você tinha quinze anos e sua amiga tinha um namorado de vinte e dois? Então, isso não é legal.
A responsabilidade do desejo é de quem a sente e não de quem a desperta. Com isso em mente, não há justificativa para culpabilizar crianças vítimas de assédio. Nosso papel enquanto adultos é zelar pelo bem estar físico e psicológico de quem ainda não sabe o limite do certo e do errado. Além disso, cada um deve fazer sua parte para por fim à cultura da sexualização infantil – ou seja, não devemos perpetuar expressões idiomáticas que dão vazão à normatização da sexualização de meninas, bem como devemos nos recusar a consumir produtos ligados a tal. Por fim, devemos nos posicionar de maneira crítica perante situações que buscam disseminar tal normatização – afinal, o pensamento crítico e a ação consequente de tal são as armas possíveis na luta contra a sexualização infantil.
Animastê,
Maria Luísa Macedo
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