O empoderamento através do discurso feminista
- Lígia Schreiber
- Mar 28, 2016
- 5 min read
Estamos em 2016 e a mulher ainda luta para ter voz. Quanto tem, seu discurso é acusado de ser agressor e a mulher que luta pelo feminismo é intitulada de feminazi. Como se feminismo fosse uma questão de extermínio masculino! Não, minha gente. Essa denominação também é um ataque ao feminismo e é cruelmente machista. Porque a luta não é por superioridade alguma – afinal, os nazistas se consideravam superiores. Não. Se trata de IGUALDADE.
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Não, não queremos que os homens sejam exterminados da face da Terra. Queremos ter direito ao mesmo respeito quando vivemos em sociedade que uma figura masculina tem. E se você acha que a mulher já tem os mesmos direitos que o homem porque vota e hoje está inserida no mercado de trabalho, o desenho que faço nesse texto é exatamente pra você.

Mulheres que concordam com o colega, sim, vocês também precisam desse texto, afinal, machismo é uma questão cultural e social, e não “privilégio” masculino.
Sabe por quê? Porque sim, você não entende nada ainda de feminismo.
A minha inquietação veio de um compartilhamento que vi hoje no Facebook (https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1176441662375728&set=a.169523483067556.40234.100000297175289&type=3&theater) com uma foto de um cara e um alerta: era suspeito de vários estupros na UnB e usuário massivo do Tinder. Na descrição, informava que costumava dopar as vítimas colocando algo em suas bebidas, ou se aproveitando da vulnerabilidade de mulheres alcoolizadas. O rapaz é Helson, de 27 anos, e estudante de Ciências Sociais da UnB. Estava preso por tráfico de drogas, mas foi solto recentemente e circula em Brasília.
Mas... “O que isso tem a ver com feminismo?”, perguntam @s amig@s.
Lendo cada um dos aproximadamente 500 comentários, vejo várias vítimas se manifestando, outras falando que quase caíram, massificando o alerta. De repente, aparece um defensor árduo do coitado do rapaz, dizendo que era crime difamar assim e questionando as provas. Dispensável dizer que a conversa trouxe muita indignação pela tamanha falta de entendimento de causa do indivíduo. Primeiro: se trata de um ALERTA; e segundo: seu próprio discurso questionador é o maior proliferador da culpabilização da mulher nos casos de violência. E isso é assunto feminista sim.
Diante desta defesa solidária e nada arbitrária, fiquei me perguntando: como explicar algo para o amig@ que questiona a veracidade de um fato tão sério como esse e insistentemente defende o “coitado do acusado sem provas” se sua própria defesa já é o maior exemplo da cultura opressora que a mulher vive diante de inúmeras situações? Como fazê-l@ entender que isso é um produto/produtor sócio-histórico de discursos machistas e misóginos e que a naturalização dos mesmos é uma força invisível tão poderosa a ponto de um alerta desses ser questionado? Como desenhar para o ser humano que muitas vezes o estupro só será visível nas memórias sofridas da vítima porque sua palavra não vale NADA e não merece ser considerada apenas por ser MULHER?
Infelizmente, é desnecessário dizer que tinham outros defensores dos fracos e oprimidos homens acusados injustamente. E que alguns del@s eram mulheres. “Ó! Tadinhos! Mas eles podem ser inocentes! As mulheres podem estar inventando isso!”
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Sim, isso tem tudo a ver com feminismo. Será que nem uma charge de selfie do estupro não é suficiente? Tem que desenhar mais? Meu amigo defensor dos coitados acusados injustamente, é esse tipo de atitude e questionamento que continua venerando a cultura do estupro e disseminando a culpabilização da vítima. Falei muito difícil e você não entendeu? Vai então outro desenho: a sociedade faz tod@s nós acreditarem, por diversos meios – televisivo, jornalístico, literário, discursivo, midiático... –, que o erro é sempre da mulher, até mesmo quando uma dá a sua cara a tapa com o único intuito de dar um alerta e salvar possíveis outras vítimas. Porque, pasme amig@ protetor, a justiça TAMBÉM é machista! Porque não tem como uma SOCIEDADE ser machista sem que esse discurso seja PRODUZIDO e PROLIFERADO em todas as outras instâncias. Ou você sinceramente acredita que só porque se chama JUSTIÇA está imune?
E depois a inocente é a Estella, que resolveu deixar clara uma suspeita para salvar muitas outras de nós compartilhando corajosamente esse post.
A dificuldade que se tem, amig@ defensor, é exatamente por pessoas como você, que não conseguem enxergar além desse sistema discursivo repressor que culpabiliza e questiona a vítima o tempo todo em um ato que pode ser absurdamente banalizado e diminuído como a violência contra a mulher. Sim, você o está banalizando e o reiterando com o discurso de que “muitas mulheres mentem e inventam estupro”. Coitados! Os homens sofrem tanto!
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Ainda não enxergou o feminismo? Não conseguiu conectar as peças? Quer outro desenho?
Esse tipo de fala é o motivo que faz muitas mulheres não se exporem. Esse tipo de discurso é que acaba retroalimentando toda a cultura e sociedade machista.
E não, não precisa ser mulher para entender o feminismo. Basta ter o mínimo de olhar crítico e sensibilidade social e histórica para compreender a séria situação que vivemos em relação à situação da mulher na sociedade.
Ontem, li a notícia estarrecedora que uma MENINA DE SETE ANOS foi estuprada COLETIVAMENTE em um ÔNIBUS ESCOLAR. Tão assustador quanto era um comentário com CENTO E POUCAS CURTIDAS dizendo que “as meninas de hoje em dia são todas assanhadas e pedem, ficam tirando foto de biquinho”. ALGUÉM AÍ AINDA PRECISA DO DESENHO???? Sério?
Esse estupro aconteceu em agosto de 2015. Os acusados continuam andando no ônibus escolar normalmente e a investigação quase não avançou.
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Culpabilização da vítima. A culpa é sempre da mulher. Ela que se ofereceu, o homem que é puro instinto e não se aguenta, o short que era muito curto, ela que bebeu demais, a foto que estava sensual demais, ela que é muito assanhada.
Car@ amig@, sugiro que você vá ler um pouco e estudar muito mais. Porque, se você não consegue entender a gravidade de um relato de estupro ser partido do princípio que é mentira e que precisa ser provado até a última instância porque A CULPA É SEMPRE DA MULHER, realmente, não há desenho que sustente.
Não, a culpa não é da mulher. A culpa é da sociedade. Temos que lidar junt@s com isso, debater, opinar. E sim, expor e usar os meios discursivos que temos para alertamos umas as outr@s. Discurso é poder. E vamos continuar nos empoderand@ e utilizando os meios que temos para proliferar outros tipos de discurso.
Feminista sim, feminazi e femininja não. Não somos histéricas e muito menos irracionais, e esses termos são opressores e proliferam o machismo. Eles desmoralizam o discurso feminista pelo próprio machismo através do discurso invisível do “perigo do extremismo das mulheres”. Logo, o que as “feminazi” dizem não tem valor, é exagerado, ridículo, e ai de nós se não acharmos graça dos apelidos engraçadinhos que nos dão. Sinto muito, mas vou continuar sem rir. Esse tipo de caracterização tira a legitimidade do discurso feminista perante à sociedade, assim como desencoraja as mulheres, ao contrário do que o seu termo entupido de ódio possa demonstrar.
O machismo tem um poder tão forte que o desenho se torna quase impossível aos olhos de quem não quer enxergá-lo.
Finalmente, já que é tão difícil o desenho, resta o desabafo: enquanto pudermos nos defender da sociedade machista e misógina que prolifera essa violência não somente física como psicológica em suas práticas discursivas e sociais, continuaremos dando voz e nos unindo na tentativa de mudar a situação opressora em que a mulher vive atualmente. Porque a opressão da força patriarcalista invade a sociedade de uma forma “invisível” porém tão cruelmente devastadora e assombrosa, que se torna natural, deixando as pessoas cegas perante qualquer desenho.
E essa luta é FEMINISTA.
Estella, não somente te agradeço como tiro o meu chapéu pra você. Que seu post continue sendo infinitamente compartilhado. Estamos junt@s!
Seres humanos, uni-vos ao Feminismo! Abaixo à cultura machista!
ELES NÃO PASSARÃO!
Lígia Schreiber, Psicóloga e feminista
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