Cuidado consigo e com o outro
- Isadora Habka
- Apr 8, 2016
- 4 min read
Tudo começou quando uma amiga minha veio me contar sobre seu relacionamento. Eles haviam terminado, por inúmeras razões, e ela andava confusa, cheia de dúvidas, até mesmo se sentindo culpada. Uma das discrepâncias entre eles é que ele já havia conquistado um lugar de maturidade de organização, de disciplina e de valorização das coisas práticas. Ela, porém, ainda estava nesse caminho. No entanto, o lugar de maturidade que ela havia conquistado, ao contrário dele, era o de inteligência emocional, sensibilidade ou qualquer nome que você prefira dar.
Um enxergava as coisas através de um olhar racional e o outro de um olhar emocional. Em uma discussão durante relacionamento, ela lhe falou que tudo o que ela precisava era de compreensão. Em resposta, ele disse que não era disso que ela precisava, já que ela não era “doente” e nem “aleijada”, e que isso (necessidade de compreensão) era para os fracos. O que ela precisava mesmo era de acreditar e ir atrás, de determinação. Ela contou que isso lhe trouxe várias dúvidas - ela começou a se perguntar se ela estava se enganando, se ela era fraca mesmo, se era corpo mole. Foram com esses questionamentos, eu entendo, que se instalou nela um sentimento de culpa, um sentimento de que: sim, querer compreensão é fraqueza.
Por coincidência, ou não, eu também estava passando por uma situação semelhante - de estar cheia de dúvidas e me sentir culpada. Fiquei com essa história na minha cabeça por um tempo. Foi só hoje, durante e após a minha sessão terapia, que veio um estralo! Lá estava eu, contando para minha psicóloga como eu me sentia diante de algumas coisas, quando ela disse: “Mas aqui é um lugar de cuidado, um lugar de cuidado com você”.

Mais tarde, ainda durante a sessão, ela aplicou, pela primeira vez, uma técnica de relaxamento chamada Calatonia em mim. Essa técnica, explicou ela, foi criada por um Médico húngaro que radicou-se no Brasil. Ela consiste em toques sutis na cabeça e pés - também outras áreas do corpo, mas a princípio apenas nesses dois lugares. Esses toques, teoricamente, têm o objetivo de promover o reequilíbrio físico e psíquico. Segundo ela, algumas pessoas apenas relaxam, outras se lembram de coisas, outras tem visões, outras tem dor de cabeça e para outras não acontece nada. Então agora era a minha vez, e eu realmente tentei ir muito aberta à técnica, aberta a fosse lá o que ela poderia me mostrar. Ela aplicou a tal Calatonia e foi realmente muito bom! Eu me senti mais relaxada com certeza. Mas algo a mais me chamou atenção: o cuidado, a maneira, que ela realizava aquela técnica, aqueles toques sutis. Eu senti realmente que era com um cuidado muito atento, muito humano, um cuidado de alguém que realmente se importa - alguém que não está vivendo o que você vive, mas que realmente quer te ajudar. Foi isso que literalmente me tocou. E então eu me lembrei daquela conversa com a minha amiga, e soube: tudo o que ela precisava era sim compreensão, porque na compreensão também mora esse cuidado. E então eu me lembrei do que minha psicóloga disse mais cedo na sessão de terapia - “aqui é um lugar de cuidado comigo!”.
Pensei: “Caramba, é muito bom existir esse lugar de cuidado, mas ele não deveria ser só aqui, uma vez por semana, por uma hora”. Deveria ser a minha rotina, a rotina de todos. Eu acredito que, em meio esse tempo louco em que nós vivemos, é muito fácil esquecer-se desse cuidado consigo mesmo e com o outro, e que é tão essencial para o nosso bem estar.

E não podemos nos culpar ou culpar os outros por esquecer isso. Nessas circunstâncias em que vivemos, de medo, de injustiça, desigualdade e competitividade seja lá para o que for, buscar compreensão ou cuidado pode parecer besteira, fraqueza, moleza. Mas isso é apenas uma armadilha nossa e da sociedade em que vivemos. É no cuidado consigo e com o outro que mora a compreensão, mas é nele também que mora a força e a determinação. Prático e emocional não estão separados de maneira alguma. Apenas uma pessoa que cuida de si mesma pode encontrar determinação e força para ir atrás do que deseja e acredita. Se não houver o cuidado da compreensão, na primeira dificuldade (ou em alguma dificuldade mais intensa) que surgir e abalar essa determinação e força, a pessoa que não está atenta a ter cuidado facilmente cairá na armadilha e bola de neve que é se culpar. E também culpar os outros. Pois ela não desenvolveu esse olhar de cuidado, esse olhar de compreensão. É uma armadilha que faz separar tudo: emocional e racional, prático e teórico e que apenas instala questões contraditórias. Nessa armadilha de separar tudo em opostos, sendo um bom e o outro ruim, é que vemos pessoas vivendo literalmente contradições. Sendo “bem sucedidas”, porém insatisfeitas.
Não quero dizer que não devemos ter uma olhar crítico diante das coisas, pois é esse olhar que nos move, que não deixa que a gente se acomode, mas ,mais uma vez, é no cuidado consigo e com o outro que mora também esse olhar. Esse olhar que MOVE, e não que nos AFUNDA como a culpa faz.
Acredito que hoje em dia, pela confusão que é viver e se relacionar e conquistar o seu lugar no mundo, é muito fácil confundir tudo. Então espero que em algum lugar aí no meio da confusão de cada um, esse relato ajude a encontrar um caminho de clareza, de liberdade, de movimento, que dá espaço para tanta coisa importante florescer - como a fé, a esperança, a humildade, a empatia, a amizade e o AMOR. Seja o amor por alguém, por si, pela vida, pelo estudo, devemos ter uma escuta cuidadosa e sincera com os nossos sentimentos e dificuldades. É como algum poeta antigo já dizia: “(...) é na escuta (cuidado) que nasce o amor, e é na falta dela que ele morre...”.
Isadora Habka
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