A Astrologia na Pós-Modernidade
- Bruno dos Santos Costa
- Jun 15, 2016
- 5 min read
A rápida interconexão do mundo, sobretudo a partir do século XXI, tem trazido a astrologia para a vida de muitas pessoas, sobretudo no Brasil, onde o sincretismo religioso tende a abrir a mente das pessoas para uma realidade não-(apenas-)material. Há algumas décadas era preciso que um astrólogo montasse seu mapa manualmente, um processo um tanto laborioso. Hoje em dia, podemos visualizar qualquer mapa em alguns segundos.

Com rápido acesso ao mapa natal, fica fácil perceber suas características em nosso dia-a-dia, e mesmo se ainda não há muita conversa a nível acadêmico a respeito, a astrologia tem se tornado de mais em mais senso comum (confira nossa palestra na Universidade de Brasília). No entanto, o barato sai caro: é importante nos perguntarmos até que ponto isso tem sido realmente bom, não só para a astrologia como campo de estudo, como também para nossas próprias vidas e experiências subjetivas.
Antes do Iluminismo, o estudo acerca da realidade não era tão nitidamente fragmentado e organizado como é hoje. As distinções entre os diferentes campos não eram claras, e a astrologia se mesclava com várias formas e objetos de estudo. Justamente por ser tão pervasiva, acabou se dividindo em diversas interpretações e sistemas. No entanto, todas essas formas de estudar astrologia tinham algo em comum: era um estudo sério, de longo prazo, e sistemático.
Após seu exílio da academia no século XVIII, a astrologia voltou à tona no século XIX, sobretudo ligada a estudos ocultos e místicos. A metologia era certamente muito diferente da astrologia mais linear do passado, mas permanecia ainda esse conceito de que um conhecimento e um uso inteligente da astrologia requeriam grande dedicação e prática.
Finalmente, no século XX, a astrologia passou a assunto de tablóide. O acesso que a maioria das pessoas tinha à astrologia era através do horóscopo de jornal, e hoje em dia muitos já entendem que não é algo a ser levado a sério, mas poucos se perguntam por que de fato isso aconteceu. A secularização da sociedade ocidental a partir do século XVII não foi o suficiente para distanciar as pessoas do estudo sério da astrologia – ela simplesmente passou a operar nas sombras, mas continuava viva.
Quem ganha então com a banalização da astrologia? Ora, justamente aqueles que entenderam o potencial da astrologia e que não gostariam que seus tivessem acesso a esse conhecimento. Como diz o velho chavão, originalmente do banqueiro quaquilionário J.P. Morgan, “milionários não usam a astrologia, mas bilionários usam”. Indivíduos cujo objetivo é de adquirir poder usarão qualquer recurso que possa ajudá-los, independente de qualquer interpretação científica ou filosífica (ou moral).
Devemos considerar, portanto, tanto o contexto psico-social quanto os motivos pelos quais a astrologia tem o papel que tem hoje. Qual é a função que a astrologia vem servindo, tanto a nível subjetivo quanto a nível de realidade material?
Quando falamos da astrologia como é empregada hoje em dia, estamos falando, de forma grosseiramente simplísitica, sobre jovens ocidentais de classe média, com forte presença nas mídias sociais, razoavelmente educados e sobretudo globalizados. A princípio parece legal que as pessoas se interessem de mais em mais na astrologia, mas será que isso ajuda ou atrapalha elas?
Vivemos hoje em dia numa sociedade altamente narcisista. Não, isso não quer dizer que todo mundo se acha. Em nosso capítulo sobre a psicologia de Capricórnio, definimos o narcisismo como uma relação sujeito-objeto, por oposição ao erotismo como relação sujeito-sujeito. Esse narcisismo pode ser direcionado tanto de fora pra dentro (busca de identidade, se enxergar como objeto) quanto de dentro pra fora (afirmação de identidade, enxergar outros como objetos).

Em outras palavras, nos preocupamos excessivamente com nossas facetas, sobretudo as visíveis, às custas de uma preocupação com nossa totalidade. E isso não quer dizer que o narcisismo não tenha função em nosso desenvolvimento – afinal, para sobrevivermos no mundo precisamos de identidades como forma de desenvolvimento de subjetividade: “sou isso, portanto não sou aquilo, portanto existo como indivíduo distinto”. Na adolescência (por volta da primeira oposição de Saturno), precisamos enxergar o mundo sob a ótica de identidades para passarmos a existir como indivíduos não apenas distintos do ponto de vista cultural/social como também do ponto de vista da família: “eu sou eu porque não sou meu pai/minha mãe”.
Mas a adolescência é uma fase, e uma fase na qual muitos estão perpetuamente presos. Se meu pai é, digamos, pescador, e eu me defino como não-pescador, ainda estou me orientando por algo extrínseco a mim. Idealmente, após a adolescência passamos a deixar de lado as identidades e não nos preocuparmos tanto com definições, pois entendemos que o que realmente importa é nossa essência, ou seja, não se eu sou essa ou aquela faceta da realidade, mas como eu equilibro todas essas facetas que estão dentro de mim.
E isso é precisamente tão difícil porque requer uma aceitação da responsabilidade sobre nossas escolhas. Quem já não usou alguma característica astrológica para justificar algum comportamento negativo? “Foi mal se eu esqueci teu aniversário, pisciano é foda né”. Mas se não assumimos responsabilidade por quem somos, não podemos existir como indivíduos.
Os trânsitos (e progressões, etc.) são usados da mesma forma: “porra, fui demitido, esse Saturno na minha Casa VI tá me ferrando”. Mas não foi o Saturno que te ferrou. Foi sua preguiça que te ferrou. Foi a recessão que te ferrou. Enfim, não importa: Saturno não tem nada a ver com isso.

É precisamente esse o erro da astrologia (pós-)moderna: ao invés de permitir ao indivíduo enxergar como a totalidade do Universo (ou ao menos do Sistema Solar) se manifesta em sua vida, ela é usada como ferramenta de apoio do superego, projetando a responsabilidade individual sobre alguma identidade coletiva. A identificação é um processo natural, e nossas experiências subjetivas são importantes para um entendimento dos arquétipos, mas essa identificação precisa ser resgatada.
“Arianos são competitivos”. “Uau, eu sou super competitivo, tudo a ver meu Sol em Áries”. Tá, mas, pára pra pensar, você conhece alguém que nunca foi competitivo na vida? Que nunca brigou com o irmão por um brinquedo, que nunca concorreu com um colega por uma promoção? Até o Gandhi ‘competiu’ com o império britânico.
“Ah, mas o Gandhi não era violento”. Ah, não? E sua greve de fome não foi um ato de violência contra seu próprio corpo? “Mas ele tinha o Ascendente em Libra”. Sim, e ele também tinha Marte em Escorpião na Casa I, e Áries no Descendente, e aí? O Descendente também é parte do mapa dele, Marte também passeou em trânsito no mapa dele.
O que queremos dizer aqui é que, por mais que as pessoas tenham, mais do que nunca, um entendimento acerca dos arquétipos naturais de nossa existência, muitas vezes esse entendimento serve para reforçar o status quo e assim reduzir os sentimentos de culpa que herdamos. O pensamento desconstrutivo deve ser equilibrado com a intuição integrativa.
E quem ganha, meu Deus, quem ganha? Enquanto você tá aí comprando sua camiseta de sagitariano e achando que geminiano é tudo doido, o J.P. Morgan tá usando os trânsitos pra ganhar milhões na bolsa de valores. É muito legal que você entendeu o que é Marte em Aquário, ou Mercúrio na Casa II, mas o que você realmente tá fazendo com isso? De que adianta ter um livro de receitas se você não cozinha?
Bruno dos Santos Costa, Astrólogo
Fonte: https://erisastrologia.wordpress.com/2015/08/05/a-astrologia-na-pos-modernidade/
Comments