Capricórnio: mitologia
- Bruno dos Santos Costa
- Aug 17, 2016
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“O mito é a única narrativa verdadeira da realidade da experiência humana. É, em última análise, a única história verdadeira jamais escrita. É uma imagem e uma representação da única história verídica jamais vivida. Com gênio transcendente, os Sábios formularam sistemas de mitos, alegorias, fábulas, parábolas, estruturas numerológicas, e pictogramas astronômicos, como o zodíaco e as planisferas ou uranógrafos, para suplementar o drama central cerimonial. ” – Alvin Boyd Kuhn
Morte e Renascimento
Se nossa proposta é estudar os mitos, não podemos deixar de analisar o mito que talvez tenha definido os últimos dois mil e tantos anos: Jesus Cristo. A questão da existência de um Cristo histórico, um ser humano de carne e osso, pouco nos interessa. O que perdurou não foi a biografia de um homem, foi uma alegoria, uma amálgama de mil culturas e religiões. O próprio cristianismo tem sua base no sincretismo de diversos cultos, como os cultos de Hórus, Mitra, Dionísio, etc. O fato de todas as religiões se mesclarem e fundirem a tal ponto demonstra que estão todas, no fundo, contando a mesma história.
Sendo assim, consideramos o mapa do Cristo não como a carta natal de algum ser hipotético, mas como a carta para o início de facto da era cristã: meia-noite de 1º de janeiro do ano 1, em Belém. Basta dar uma breve olhada no mapa, representado abaixo, para ver que esse momento no espaço-tempo certamente não foi acidental – se foi algo propositalmente planejado por pessoas ou se foi o Universo ou o destino ou que seja é uma questão essencialmente impossível de se resolver.

A figura é, francamente, assustadora (no bom sentido, claro). Não conseguiríamos calcular, mas supomos que tal configuração, formando um pentagrama quase exato, não acontece com muita frequência. Além disso, se espelharmos o hemisfério de cima, formamos a figura da Estrela de Davi. Esse, como todo mapa, possui várias facetas a serem estudadas, mas nos retemos aqui ao Sol do Cristo – o que faz muito sentido, considerando que o Cristo é uma figura solar per se.
À primeira vista a história de Jesus parece não ter muito a ver com a arquétipo de Capricórnio, mas vale lembrar que o bode representa nosso ‘legado’, aquilo que sobra de nós após nossa morte, e o legado do Cristo perdura há dois mil anos. Como estamos falando do Sol em Capricórnio, podemos encarar o Cristo como um 5-exemplo de como navegar o 10-Sistema. O que representa então o renascimento do Cristo após ter morrido por nossos pecados?
Na Introdução, explicamos nosso entendimento de Capricórnio como carregando um ‘fardo’, um senso de haver ‘falhado’. Ora, não foi justamente Jesus que carregou a cruz, o peso? Se usarmos nossa imaginação, podemos ver o próprio símbolo de Saturno, regente de Capricórnio, como um homem carregando uma cruz. O Cristo carregando a cruz é uma representação de todo ser humano: todos nós viemos ao mundo com um ‘pecado original’. Carregamos esse peso para que possamos expurgá-lo e ‘retornar a Deus’. E como fazer isso? Morrendo e renascendo.
O Cristo é uma representação da centelha divina em cada um de nós. O Cristo é ‘eu’ – Jesus. Em francês, ‘Jésus’ pode ser entendido como ‘je suis’, ‘eu sou’. Seu mito nos encoraja a não termos vergonha do próprio fardo – cada um tem sua cruz a carregar, ninguém pode a carregar por nós. Se a jornada do Cristo é a jornada do Sol, fica ‘claro’ que todos nós passamos por esse processo de morte e renascimento todo ano. Todo ano o Sol ‘morre’ em Capricórnio, o solstício de inverno, o dia mais curto do ano, renasce, e cresce até atingir seu ápice em Câncer, o dia mais longo, a partir de onde começará a ‘morrer’ novamente.
Para podermos lavar nossos pecados, precisamos realizar a jornada heroica de subirmos o morro com nossa cruz. Inclusive, quem sabe no caminho não aparece uma ‘Maria’ para nos ajudar? O que não devemos fazer é largar a cruz e correr de volta para o ‘colo’ de mamãe. Em termos zodiacais, após nosso 1-nascimento, devemos percorrer toda a jornada anti-horária de 1 até a fronteira entre 9 e 10, o ‘ponto de transcendência’, assim como os astros todos se movem em sentido anti-horário no zodíaco. Ir de 1 a 10 pelo caminho 1-12-11-10 é regredir – é o caminho dos covardes, os que deixam seu 10-medo predominar sobre sua 1-coragem.
O Cristo não fugiu, não teve medo de assumir seu papel e realizar a ‘obra’ que havia se proposto, e não teve medo de enfrentar seus ‘inimigos’ com sua mensagem de ‘paz’ e ‘benevolência’ (Libra no Ascendente). Da mesma forma, devemos ter coragem para transmutar nosso pecado, ou ‘chumbo’, em ‘ouro’ alquímico. O fato de Jesus ser um carpinteiro é um indicativo de que havia aceitado seus dons naturais, sua estrutura – afinal, era filho de carpinteiro (e de Arquiteto).
São poucos os que têm 5-talento para a 10-carpintaria, mas todos nós temos um Sol no mapa, e a história do Cristo nos ensina que pouco importa o signo ou a casa ou os aspectos sob os quais o Sol se encontra – todos temos um valor individual, um mapa único. Somos todos uma fração/fractal da totalidade, uma ‘distorção’ que retornará à perfeição ao seguir o caminho do autoconhecimento. Esse caminho não é uma linha reta, e sim uma escada em espiral na qual morremos e renascemos a cada degrau. Todo Sol que brilha com Amor renascerá.
O troll e as cabras
Apesar de ser uma figura da mitologia nórdica, o ‘troll’ hoje em dia é bem conhecido, sobretudo à atribuição moderna que se dá ao termo. O troll mitológico é uma criatura medonha que vive debaixo de uma ponte, atazanando ou cobrando um pedágio a quem passa por ali. Da mesma forma, o troll da internet habita ‘no escuro’ – em condição de anonimidade – e ataca ou ofende quem passa por seu caminho.
Tipicamente, essa pessoa teve uma figura paterna fraca ou ausente, ou seja, é alguém cujo ‘cordão umbilical’ não foi propriamente cortado. Por isso ela não se preocupa com as consequências de seu comportamento na internet, mas raramente irá cometer um ‘crime’ real. Ora, manter a 10-ordem é função da sociedade, através de seu ‘braço forte’, a polícia. O desenvolvimento da 4-moralidade, por outro lado, é de responsabilidade da família. Em suma, o troll sabe o que é contra a ‘Lei’, mas tem dificuldade para distinguir o ‘certo’ do ‘errado’.

A fase da ‘anarquia’ na qual passamos pela adolescência é absolutamente necessária para o desenvolvimento dessa função moral, e a figura paterna, por sua presença ou ausência, é absolutamente crucial nessa etapa. Sem darmos espaço a essa anarquia, estaremos eternamente à mercê do que a sociedade determina ser ‘bom’ ou ‘ruim’ – e portanto não nos tornamos ‘indivíduos’. Sem a figura paterna, o troll fica eternamente preso na fase anárquica, um ‘avatar’ mas jamais um ser humano. Para que possa realmente formar 7-parceiras, antes é necessário passar pela formação de uma 5-essência individual, essência que nunca poderá ser representada por um meme.
Os mitos, por serem uma representação simbólica das dinâmicas comuns a todos os seres humanos, precisam ser compreendidos em sua totalidade. Se não ouvimos a história até o fim, tenderemos a interpretá-la erroneamente, como é o caso de Romeu e Julieta, um conto sobre os perigos da paixão adolescente que acabou sendo tomado por um símbolo do amor verdadeiro. O mesmo aconteceu com Édipo e com Orfeu.
Portanto, o mito do troll pode nos ajudar a entender a condição do troll dos fóruns virtuais. A história começa com três bodes que já haviam pastado toda uma montanha e queriam partir para a próxima (ou seja, os bodes começam a ‘descida da montanha’). No entanto, para chegar lá precisam passar por uma ponte, sob a qual há um troll perigoso.
O primeiro bode, o menor e mais magro, chega perto da ponte, e quando o troll ameaça comê-lo, ele diz é só pele e ossos, mas que atrás dele vem seu irmão, que é mais gordo. O troll o deixa passar então, e quando vem o segundo bode o mesmo acontece: o troll o deixa passar devido a promessas de farturas maiores.
Mas o terceiro bode era o maior e mais forte dos bodes, então quando se aproximou da ponte e o troll pulou para cima, ele avançou sobre o troll e o empurrou com os chifres pra fora da ponte. O troll caiu no rio e foi arrastado pela correnteza, e os três bodes passaram para o próximo campo para pastar à vontade. Talvez seja o caso então de adolescentes introvertidos tentarem ser mais ‘bode’ e menos ‘troll’.
Qual a diferença entre os dois? Ambos estavam ‘esfomeados’, mas como eles lidaram com isso que determinou seu destino. Os bodes souberam aceitar a condição que lhes foi imposta pela natureza, enquanto o troll desdenha as oportunidades providas. Não tendo a força do terceiro bode, os bodes mais magros tiveram que usar sua astúcia para chegar ao ‘alimento’. O troll, por outro lado, se deixa seduzir por promessas, e rejeita a oportunidade de comer diante da possibilidade de sempre conseguir mais e mais.
Os trolls da internet são aqueles que são introvertidos (se preferirem, aqueles que têm um ‘talento’ para a introversão) mas que negam ou rejeitam essa característica devido a uma repressão parental ou social excessiva. Frequentemente sofreram bullying ou discriminação, e consideram portanto que há algo de ‘errado’ neles. O problema é que eles permitem que essa repressão os defina como indivíduos (e dificilmente verão a repressão por trás do bully), e não buscam seu talento através da jornada heroica.
Os bodes de nossa história certamente reconheciam que eram magrinhos e feinhos, sobretudo ao se compararem a seu companheiro viril e belo. Ora, ao invés de permitir que a sociedade os rotulasse como ‘fracos’, preferiram se definir como ‘espertos’, e assim tiveram a maturidade para lidar com o monstro da ponte. O problema do troll não era ser feio, era acreditar nos outros quando diziam que ele era feio.
Capricórnio é a figura que nos ensina a tornar nossas fraquezas em forças. Nós somos ‘fadados’ a sermos aquilo que foi determinado por nosso DNA e pelo ambiente no qual crescemos, mas isso não quer dizer que uma característica ‘pré-determinada’ – a ‘profecia’ feita em nosso nome – seja boa ou ruim per se. Qualquer coisa pode ser uma vantagem ou uma desvantagem: tudo depende de como escolhemos perceber nossas características inatas.
Narciso e Eco
A história de Narciso é um excelente exemplo da necessidade de observar um mito em toda sua completude, o que previne um mal entendimento da ‘moral’ do mito. A ideia que a maioria tem acerca do mito de Narciso é que ele se apaixonou por si mesmo e por isso rejeitava a todos os outros. Ou seja, o narcisista é aquele que se acha superior aos outros, geralmente devido a um atributo físico como força ou beleza. Ora, repare que a referência que fizemos é a Narciso e Eco. O problema de Narciso era que ele era justamente incapaz de amar a si mesmo, um problema ‘refletido por Eco’.
Para entender Narciso, é preciso ver a profecia que foi feita em seu nome. Os pais de Narciso foram ao vidente Tirésias para saber qual seria o futuro de seu filho que vinha ao mundo. Tirésias disse que Narciso viveria uma vida longa contanto que não se conhecesse. A história aí geralmente pula para a adolescência de Narciso, então é preciso imaginar o que os pais dele, desesperados para que não morresse cedo, teriam feito tentando prevenir o ‘destino’ de Narciso. Certamente teriam feito de tudo para que não sofresse, o protegeriam, e nunca permitiriam que ele olhasse para si mesmo, retirando por exemplo todos os espelhos da casa.
Mas Narciso era belíssimo, então atraía a atenção de muitos, e consistentemente rejeitava a todos. Para os rejeitados, haverá de fato a aparência de que ele é arrogante, só que a verdade é que Narciso não os reconhecia como sujeitos, eram meros objetos no mundo. Como ele já tinha todos os objetos que desejava em casa, não sentia necessidade de reciprocar a atenção dos outros.
Esperamos que mais tarde os pais de Narciso tenham entendido que foi exatamente seu comportamento que levou Narciso a seu fim trágico. Uma ‘profecia’, uma vez feita, não tem volta. Talvez nada disso tivesse acontecido se os pais não tivessem consultado o oráculo, mas agora era tarde demais.
Um belo dia, Narciso passeava por um bosque quando se deparou com a ninfa Eco. Quando a cumprimentou, ela repetiu o cumprimento, e Narciso achou sua voz muito bela. E tudo que Narciso dizia, Eco repetia igualmente. Era o seu destino: anteriormente, quando Zeus partia para um de seus incontáveis casos extraconjugais, Eco ficava conversando interminavelmente com Hera, distraindo-a; um dia, Hera descobriu a trama, a amaldiçoou Eco, determinando que a partir daquele momento só poderia falar se repetisse algo que alguém disse.

Narciso ficou maravilhado com aquela mulher que dizia tudo que ele queria ouvir, que parecia pensar exatamente como ele. Eco, que havia se apaixonado por Narciso, tão belo, jogou seus braços em torno dele para o abraçar. Ora, o contato físico implica na existência de outro sujeito, então Narciso entrou em pânico e a rejeitou imediatamente. Só que a paixão de Eco só crescia, e mesmo sendo desprezada por ele continuava atrás dele.
Pouco depois, Narciso finalmente se depara com a fatal lagoa na qual vê o seu reflexo. Na água, ele vê uma pessoa belíssima, e se apaixona por essa figura justamente porque não a reconhece como sendo ele mesmo. A imagem de si mesmo era a única coisa à qual Narciso não havia tido acesso na infância, tornando-se assim seu único objeto de desejo. Passou o resto de seus dias admirando a figura na lagoa, até que um dia restou apenas uma flor, que hoje leva seu nome. Quando ele finalmente se foi, Eco por sua desapareceu gradualmente também, restando apenas sua voz.
E nada isso é ‘culpa’ de Narciso, ele não ‘causou’ seu destino. Ele foi até correto em repudiar os avanços de Eco: que tipo de pessoa doida se apaixona por alguém sem nem a conhecer? Não é à toa que os dois sofrem o mesmo fim. O que o mito de Narciso nos ensina é que todos nascemos com certas características: a beleza de Narciso (por isso se tornou uma flor) e a voz de Eco. Mas isso não nos define como indivíduos. Do ponto de vista de uma encarnação, nossos dons são resultado do “acaso”, de termos nascido naquela família e naquele momento – nosso sorteio na loteria da vida. A pergunta a se fazer é: após o último traço de meu corpo ter desaparecido, o que sobrará de mim?
Narciso ficou preso em Capricórnio, incapaz de formar uma identidade que fosse além de seus traços físicos. Para que possamos desenvolver nossa identidade, precisamos de uma família e de uma estrutura social que nos permita nos conhecermos, pois é apenas ao conhecer algo ou alguém que podemos amá-lo. Nossa capacidade de amar os outros (erotismo) é proporcional a nossa capacidade amarmos a nós mesmos (narcisismo).
E de fato o narcisismo é uma etapa necessária do desenvolvimento humano, mas é apenas uma etapa. Na adolescência, é preciso que nos identifiquemos com objetos e pessoas diferentes daqueles com os quais crescemos, pois é apenas assim que poderemos encontrar uma identidade única e não sermos meros ‘clones’ de nossos pais.

No esquema acima, vemos que há uma grande ‘jornada’ antes que o indivíduo que começa sua ‘descida da montanha’ chegue ao ‘centro’ de sua individuação em Leão. Sendo o hemisfério de cima ligado à ‘introversão’ (direção externo à interno) e o de baixo à ‘extroversão’ (direção interno à externo), Capricórnio representa o início do ‘narcisismo introvertido’, ou seja, o início da construção do amor próprio a partir de recursos externos – a ‘gravidez’.
Após o nascimento, o amor próprio começa a ser direcionado para fora, e é apenas após enfrentar a própria moralidade na ‘noite escura da alma’, Câncer, que o amor pode ser genuinamente direcionado a outros sujeitos, pois é nessa etapa que começamos a desenvolver a ‘subjetividade’. Antes disso somos apenas capazes de lidar com ‘objetos’.
O signo de Áries é frequentemente associado à ‘individualidade’, mas suas noções de ‘indivíduo’ ainda estão muito malpassadas. O carneiro sabe que existe como ‘ser distinto’ no mundo, mas ele ainda vê essa distinção nos termos ditados pela sociedade e pelos pais, ainda não enfrentou a própria alma ‘moral’. Ele ainda não sabe equilibrar seus 4-sentimentos e suas 10-definições.
Fica claro então por que Narciso se ‘perdeu’ na lagoa. As lagoas são associadas ao signo de Câncer, e Narciso chegou lá sem ter sido ‘munido’ com amor próprio. Seus 10-pais não permitiram que ele desenvolvesse uma 1-subjetividade a partir da qual poderia enxergar os sujeitos ‘lá fora’. Sem um conceito de individualidade, não temos as ‘armas’ necessárias para lidar com os 4-sentimentos que inevitavelmente aparecerão.
Bruno dos Santos Costa, astrólogo
Fonte: https://erisastrologia.wordpress.com/capricornio-mitologia/
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