A problemática da forma como as mulheres são retratadas pela mídia
- Maria Luísa Macedo
- Dec 18, 2016
- 4 min read

Eu sou uma mulher de vinte e cinco anos nascida e criada no Brasil. Como muitas outras mulheres, não só daqui, mas de todo o mundo, sou bombardeada desde criança por imagens, mensagens e vídeos que não vendem apenas produtos, mas valores e expectativas às quais devemos corresponder. O grupo feminista norte americano Guerrilla Girls, produziu o seguinte poema usando textos publicitários de produtos direcionados ao público feminino: “Reduza a celulite. Vá embora pele seca. Desapareça pelo facial indesejado. Diminua as estrias. Sumam marcas da idade. Elimine o odor feminino. Perca peso. Dissolva a gordura da barriga. Apague as rugas. Eu acho que alguém quer que eu desapareça.” (tradução livre).
Através do discurso publicitário, símbolos que compõem o nosso imaginário são convertidos em representações sociais, tais representações normatizam padrões de discurso e comportamento atribuídos ao feminino e masculino, bem como, ditam o ideal que cada um deve buscar corresponder. Em 2007, a historiadora Monique Vidal Pires argumentou: “(...) E, numa sociedade como a brasileira, em que o senso comum reconhece ser androcêntrica, na qual as diferenças de gênero estão de tal forma essencializadas que sequer são questionadas, a propaganda participa do imaginário corrente e propaga modelos de comportamentos supostamente devidos às mulheres e aos homens.”.

No romance Garota Exemplar, Gillian Flynn escreveu: “Comercial de O. B., comercial de detergente, comercial de absorvente, comercial de veja - faz você pensar que tudo o que as mulheres fazem é limpar e sangrar.” (tradução livre). De fato, não é necessário fazer uma análise muito profunda de imagens publicitárias brasileiras para vermos o que é esperado das mulheres em nossa sociedade - limpe, cuide dos filhos, trabalhe e esteja bonita enquanto faz tudo isso.
Uma mulher aprende desde muito cedo que o mais importante dela enquanto mulher é ser bonita - e quão mais próximo ela chegar do padrão de beleza imposto, mais bonita ela será. Através de peças publicitárias, meninas e mulheres são estimuladas a gastar tempo, energia e dinheiro em busca da beleza ideal - é estimado que o mercado das cirurgias plásticas movimente cerca de dois bilhões de reais anualmente no Brasil. Todavia, o padrão ideal em questão é inalcançável, dado que ele transmitido por imagens irreais criadas em computadores - digo isso devido ao uso abusivo do photoshop. Em O Mito da Beleza, Naomi Wolf argumenta que esse ideal imposto às mulheres não é feminino: “(...) Como pode um “ideal” ser feminino se ele é definido por quanto de uma característica feminina não aparece no corpo da mulher e por quanto da vida de uma mulher não aparece em seu rosto? (...) Ele não pode ser feminino porque o “ideal” não envolve a mulher, mas o dinheiro.”.
A problemática da forma como as mulheres são retratadas pela mídia também é personificada na repulsa de algumas mulheres por seus corpos. As imagens de mulheres que são oferecidas à nós para admiração e inspiração não são de mulheres sábias, plenas, gordas, velhas ou negras… mas de mulheres jovens e que são reconhecidas por sua “beleza” e não por sua mente ou por alguma habilidade especial. E acima de tudo, tais mulheres são sempre magras e photoshopadas! Consequentemente, doenças como anorexia e bulimia fazem principalmente de mulheres suas vítimas. O hábito da dieta ensinado às meninas é em sua raiz um poderoso sedativo político, como aponta Wolf em O Mito da Beleza. A autora escreveu: “(...) Uma fixação cultural na magreza feminina não é uma obsessão com a beleza feminina mas uma obsessão com a obediência feminina.”
Também é importante considerar como a forma que a mulher é retratada na mídia brasileira é machista. Nós somos rotineiramente expostas e expostos a mulheres semi nuas e homens vestidos. Em diversas ocasiões os corpos femininos são decompostos nas peças publicitárias - de fato, em diversas campanhas publicitárias o corpo da mulher é fragmentado ou transformado em um objeto, uma coisa. Nas palavras de Naomi Wolf: “(...) A cultura do consumo recebe melhor apoio de mercados compostos de clones sexuais, homens que desejam objetos e mulheres que desejam ser objetos, enquanto o objeto desejado é sempre mutante, descartável e determinado pelo mercado.”
Outra problemática da desumanização da mulher e objetificação do corpo feminino é a possibilidade da desculpabilização do opressor. Em qualquer situação opressor/oprimido somente a coisificação do oprimido permite que o opressor explore as nuances da violência. Portanto, o machismo diário da mídia contribui para situações de violência contra a mulher.
A importância de desenvolver constantemente nosso senso crítico, é a possibilidade de olhar os símbolos que nos são transmitidos com maior capacidade de discernimento. Também é importante que busquemos nos posicionar em nossas escolhas diárias e, evitando empresas que vão contra nossos valores, podemos, quem sabe, estimular uma mudança por parte de tais empresas. Por fim, cito Foucault: “(...) O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder de que procuramos assenhorarmos.”. Cabe à nós buscarmos ser as mudanças que esperamos!
Animastê,
Maria Luísa Macedo
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