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Aos vinte e seis

  • Luisa Dale
  • Apr 5, 2017
  • 3 min read

Hoje me sentei para escrever uma carta a você. Mais uma. Porque desde que te conheci, o que melhor sei fazer é te escrever. Não sei bem dizer o porquê, mas sempre fui uma mulher das letras, gosto de ler desde que me entendo por gente e escrevi meu primeiro poema aos 9 anos, que se chama "Dia Cinza". Até hoje me lembro dele de cor. E se o que sei fazer melhor é te escrever, deve ser porque você me faz tão bem para me evocar memórias tão afetivas.


Eu sentei aqui pra te contar como andam os meus 26 anos. Há 10 anos escrevi em algum dos meus milhares de cadernos sobre como era ser aos 16 anos. Lógico que não foi nada programado, mas eis que chego aos 26 e penso: por que não? Ora, que belas comparações poderei fazer quando chegar aos 86, quem sabe? Até lá serão 60 anos e mais 6 textos. Parece pouco, talvez até seja, mas quem liga? Não sei nem se vou lembrar de fazê-lo aos 36…


A verdade que te trago é que lendo o que escrevi aos 16, me impressiono comigo mesma. Gosto do que leio. Apesar do tom ligeiramente pesado e melancólico para uma adolescente privilegiada como fui. Me admiro, me gosto aos 16 agora como não me gostava antes. E honestamente? Isso tem acontecido com muita frequência, isso de me olhar lá atrás, ver a Luísa do passado e gostar do que vejo. Se passam os meses, se passam os anos e eu finalmente tenho compreendido um pouco melhor do meu propósito como Luísa.


Meu pai outro dia me disse que quando eu era criança eu adorava brincar. Tão ululante seria não fosse o fato de eu já nos meus derradeiros anos de infância não falasse para ele com uma certeza peculiar que não queria ser adulta porque não ia mais brincar. Eis minha primeira manifestação da melancolia. Eu gosto ainda de brincar, de inventar coisas, de me reinventar, de ter ideias loucas com pessoas loucas. Mas aos 26, me vejo ainda muito presa. Presa a algo que não sei bem definir o quê mas que tem se mostrado cada vez mais evidente a cada passo que dou consciente de que foi um passo dado por uma mulher. Consciente de que sou mulher e ser mulher define e definiu muitas escolhas — e a falta delas — e acontecimentos na minha vida, muito mais do que deveria. Me sinto a cada dia violentada pela mídia e pelas odiosas manifestações machistas em redes sociais, em conversas de bar, em reuniões de família.


Aos 26 eu sou mulher. Aos 16 acho que eu não sabia disso. Me construí mulher e tomo esse papel pra mim. Se construir mulher é muito mais do que nascer mulher, é uma escolha muito forte, muito corajosa e de um poder inimaginável. Como toda escolha traz sua consequência, a de se escolher mulher não traria nada menos do que choques constantes de realidade, esfacelamentos de relações e questionamentos ansiosos: eu estou mesmo certa disso?


Hoje desmoronei, meu amor. Deitei-me na cama e não conseguia me mexer, tal era a minha rigidez corporal. Você apareceu no quarto e tentou das melhores formas me fazer mexer, agir, ser Luísa. Te dizer que me sinto uma impostora, um fracasso, foi doído. Daí uma enxurrada de desabafos sobre ser eu.


Me sinto perdida, me sinto desfocada, me sinto super-(des)preparada para muitas coisas mas não sei o quê. Não sei pra onde ir e nem com quem falar. Não trabalho bem sozinha, gosto de estar em grupo, pensar em grupo, criar em grupo. Parece até um pouco eu criança. Mas eu tenho é medo, viu pai. Do quê, não sei bem. Mas é medo mesmo, porque só medo paralisa a gente — literalmente.


Amor, te pergunto, aos 26 posso eu gritar pro mundo: "Ei! Estou aqui, eu existo! Eu sou boa em muitas coisas, sei fazer várias coisas e aprendo bem rápido. Me aproveita? Me enxerga?"? Feliz seria a vida se o potencial de cada ser humano fosse aproveitado ao máximo. Se fôssemos incentivados a nos conhecer desde pequeninos e saber em qual das caixinhas cabemos melhor. O problema é dizerem para quase 8 bilhões de pessoas que elas só tem algumas dúzias de caixinhas onde podem "escolher" se adequar. A matemática não funciona.


Hoje meu dia foi cinza. Não poderia escrever um poema sobre ele porque ele não foi muito diferente dos tantos dias cinzas que já tive aos 26. Se bem me recordo, naquele dia chuvoso de setembro de 1999, escrevi aquele poema sobre a tempestade, os pássaros voando para o sul, e o eucalipto lá de casa que tremia, tremia mas não caía. Agora aos 26 posso, consciente, fazer uma carinhosa homenagem a mim mesma aos 9. Tivesse eu lido nas minhas entrelinhas, saberia — aliviada, de certa forma — que sempre soube como são os dias cinzas.


Dizem que é do cinza que renasce o amor.



Luisa Dale, fotógrafa

 
 
 

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