O rigor na astrologia
- Bruno dos Santos Costa
- May 17, 2017
- 5 min read
Após o surgimento e propagação da ideologia iluminista na Europa, a astrologia, assim como o espiritualismo e o ocultismo, teve de migrar para as sombras da sociedade. No século XIX, esses mesmos campos de estudo voltaram a se difundir, mesmo que ainda não fossem publicamente aceitáveis (exceto como extravagâncias de gente rica). Após a Segunda Guerra Mundial, a astrologia começou sua jornada de volta ao senso comum, inicialmente através de horóscopos de jornais, mas principalmente com a internet e as mídias sociais.
A astrologia voltou à consciência coletiva graças aos meios de comunicação em massa, o que ajudou sua difusão através da cultura. No entanto, uma consequência dessa série de eventos foi que a astrologia deixou de ser normatizada, e por mais que os fios condutores tenham permanecido mais ou menos os mesmos, se diz tudo e qualquer coisa sobre a astrologia hoje em dia. É claro que um grau de liberdade é necessário à evolução das ideias, mas uma falta de cerceamento leva a uma falta de definição, e a astrologia se torna assim algo amorfo, que toma a forma do pensamento daquele que a usa.
Não queremos aqui desmerecer o trabalho de qualquer astrólogo. Todos sabemos que a astrologia já enfrenta adversários suficientes no dia-a-dia, já tem que lidar com críticas advindo de todas as direções. Mesmo assim, acreditamos que os astrólogos têm o dever de se desafiarem, de forma a tornar a astrologia algo concreto, palpável. O embate de ideias força essas ideias a se definirem. Do jeito que a astrologia anda hoje em dia, ela se torna alvo fácil tanto de críticas vindas de fora quanto de abuso vindo de dentro.
Com a entrada do Sol em Áries na segunda-feira, iniciando o novo ano astrológico, difundiu-se nas mídias sociais um artigo escrito para uma coluna astrológica. O fato de o artigo vir do site do Universo Online, parte do Grupo Folha, já seria o suficiente para causar suspeitas. O grandes conglomerados não fazem nada por acaso: foi justamente a simplificação da astrologia nos horóscopos de jornais que levou a seu desmerecimento nos olhos da sociedade.
Não obstante, o que interessa é o que é dito. É importante ressaltar aqui que nos dirigimos às ideias expostas no artigo, não à pessoa que as escreveu. O artigo está repleto de palavras e expressões do campo léxico da nova era, e fala sobre ‘evolução de consciência’ e coisas do tipo. É claro que não desmerecemos aqui a ideia de evolução de consciência, muito pelo contrário; o que queremos dizer é que se trata de um campo distinto da astrologia, ou seja, o objeto de estudo é diferente.
O assunto em pauta é o da mudança de ‘eras’ astrológicas, no caso a passagem da era do Sol para a era de Saturno. Certamente esse conceito está embasado em algum cálculo da astrologia da antiguidade, e não duvidamos que há motivo para se atribuir uma devida era a um devido planeta. No entanto, é importante nos perguntarmos: para que serve tudo isso? Tais eras astrológicas duram 36 anos, período maior que o próprio ciclo de Saturno, o mais lento da astrologia clássica. Será que faz sentido falar de forma tão generalista?

Se consideramos um período tão longo quanto esse de 36 anos, não será nem um pouco difícil encontrarmos fatos e eventos desse período que correspondem a uma devida ideia. Por exemplo, no artigo se menciona que a era solar foi uma era de grande ‘narcisismo’ (o emprego do termo não é muito correto, mas isso é outra questão), ou seja, as pessoas eram tão preocupadas com a imagem e com o sucesso material que destruíram o meio ambiente.
Mas se pararmos pra pensar, foi exatamente nos anos 80 e 90 que o ambientalismo começou a ganhar força como movimento social. Diversas leis foram promulgadas mundo afora de forma a conter a degradação da natureza. Vários dos problemas ambientais mais graves, como o buraco na camada de ozônio e a chuva ácida, foram, se não resolvidos, ao menos fortemente amenizados. Como podemos dizer então que os últimos 36 anos foram definidos pela devastação ambiental? Hoje nos Estados Unidos a área coberta por florestas é maior do que era 100 anos atrás. Ora, esse é um problema que aflige a astrologia de maneira geral, e é justamente essa característica generalista que permitiu que as pessoas se identificassem com seus horóscopos. Em outras palavras, não há nada de errado per se em falar da astrologia em termos bem generalistas. No entanto, é importante que mesmo esses generalismos sigam algum tipo de regra ou padrão, caso contrário a astrologia deixa de ter sentido.
Como exemplo, ao longo do texto, Saturno é ligado a conceitos de regras, limites, etc., o que se encaixa bem com o arquétipo saturnino. No entanto, há um momento em que a autora diz que Saturno está “atrelado à ampliação ou expansão da consciência”, o que contradiz completamente a natureza do astro. Saturno é um planeta de limitação e contração, não de expansão, além de não falar nada acerca de ‘consciência’, que é um atributo do elemento Fogo, e que está ligado então ao Sol ou a Júpiter.
O que queremos dizer com tudo isso é que a prática de uma profissão requer um senso de responsabilidade em relação ao que se diz e o que se faz. Quando atribuímos conceitos aos astros ou aos signos de forma arbitrária, estamos desmerecendo a astrologia muito mais do que a edificando. Retomando o exemplo acima, uma pessoa que lê o artigo pode em seguida analisar um mapa, ver a posição de Saturno, e começar a falar de “expansão de consciência”. Já não bastasse essa ideia ser bastante vaga, ainda gera falsas associações.
É claro que, devido à falta de sistematização da astrologia, ainda há diversas questões que ainda não foram definidas, e inúmeras ambiguidades e incertezas que precisam ser resolvidas. Isso não significa, no entanto, que podemos sair por aí falando tudo e qualquer coisa, sobretudo quando começamos a misturar a astrologia com questões que vão além de nosso ciclo terreno. Se o mapa astral de um indivíduo fosse ligado a essas questões, ele não seria definido pelo momento de nascimento.
Em conclusão, o problema com artigos como esses que falam da suposta ‘era de Saturno’ é que, no final das contas, acabam prejudicando muito do que ajudando não só a astrologia como campo de estudo, como também aqueles que querem desenvolver seus conhecimentos acerca do assunto. Enquanto a astrologia não for praticada com o rigor que vemos nas ciências materiais e na filosofia, ela não deixará de ser considerada como pseudociência – o que todos sabemos que ela não é. Saturno cobra rigor e responsabilidade, então talvez seja o momento de começarmos a agir mais dessa forma nessa nova era que se inicia.
Bruno dos Santos Costa, astrólogo
Fonte: Eris Astrologia
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